História Carreirinho

Adauto Ezequiel (Carreirinho) nasceu em Bofete-SP no dia 15 de outubro de 1921. Filho do Sr. João Batista e da Dona Domitilde Maria Pereira. João Batista plantava café, e tinha criação. Foram três filhos, um menino e duas meninas. "Seu" João Batista era vizinho de "Sô" João Tropeiro, excelente violeiro de quem Adauto ficava apreciando o pontear da viola. Sendo neto de Alemães, seu nome seria Adauto Humziker; o escrivão, no entanto, "achou Humziker complicado demais" e acabou registrando o menino como Adauto Ezequiel. E, dos alemães, Carreirinho só herdou os olhos azuis. De resto, ele era bem brasileiro. Nunca "pegou duro" nas lidas da roça. Tendo sido o caçula, era "poupado". Mexia com o gado leiteiro, com amansação das potrancas e quando sobrava um tempinho, lá estava o Adauto com a viola no colo, presente que lhe foi dado por seu pai, apesar de muita resistência inicial, já que seu João achava que "viola era coisa de vagabundo...".
Com 15 anos, mudou-se para Pardinho-SP onde foi pedreiro e "ajudou a construir a igreja matriz do lugar", como Carreinho sempre se orgulhou. Já na escola, fazia seus versos e tocava a viola. Em 1936, no último ano do curso primário, tocou pela primeira vez em público, apresentando a moda de viola (de sua autoria) "Minha Vida" em sua festa de formatura, pelo que foi bastante aplaudido.
Começou a se apresentar em festinhas e circos de Sorocaba-SP, cantando músicas de Raul Torres. E foi num circo em 1945 que formou a primeira dupla, Adauto e Ferraz, a qual durou um ano. Em 1946, seguiu para a capital paulista onde formou uma segunda dupla com Piracicaba, adotando o nome de Botucatu, na dupla "Piracicaba e Botucatu". Ficaram juntos durante um ano.   Em seguida Adauto mudou o nome para Pinheiro e juntou-se ao investigador de polícia José Stramandiola, que passou a chamar-se Zé Pinhão, e formaram a nova dupla "Zé Pinhão e Pinheiro". Em junho de 1947, estrearam no programa "Sítio do Bicho de Pé", na Rádio Record de São Paulo.
Stramandiola, no entanto, sendo policial, não encontrava compatibilidade de horário entre o seu emprego e a música. Acabou optando pela polícia. E a dupla "Zé Pinhão e Pinheiro" se desfez naquele mesmo ano. Em seguida, Adauto formou a nova dupla (e a primeira de grande sucesso) com Lúcio Rodrigues de Souza (nascido em 1923, em Santa Rita do Passa Quatro-SP e falecido em 21/05/1970).
Adauto Ezequiel na verdade havia se sentido "perdido", sem dupla. "... Um dia, era domingo, eu estava ouvindo o "Chico Carretel" na Rádio Piratininga. Ouvi lá: Lúcio Rodrigues e Fortaleza. Escutei, prestei atenção e vi logo: tá aqui a minha segunda voz. Me arrumei e corri lá prá Piratininga, que ficava ali na Praça Patriarca. Quando cheguei, tinha um café em baixo e perguntei pelo tal Lúcio Rodrigues. Tinha acabado de sair. Me deram o endereço dele. Um prédio na Alameda Gretchen, em frente a garagem dos bondes. Fui lá. Ninguém conhecia Lúcio Rodrigues. Por sorte alguém lá no café tinha me contado como ele era. Mulato, magro, um metro e setenta, cabelo onduladinho... Já voltava, vindo embora, quando vi um moço indo em direção àquele prédio e que se parecia com aquela descrição. Aí falei comigo: "Vou gritar Lúcio, se ele olhar é porque é ele"... e gritei. Nos apresentamos, falei o que eu queria mas ele disse que num tinha interesse... Que tava bom com o Fortaleza... Dava um dinheirinho prá pagar o cigarro e o almoço. Ai, eu disse prá ele que comigo ele podia, no programa da Rádio Record, ganhar uns seiscentos por mês. Isso era mais ou menos uns três ou quatro salários da época. Ele num disse nada mas ficou com meu endereço. Na semana seguinte chegou em minha casa já trazendo "Canoeiro"..."
E a Rádio Record organizou um concurso para a escolha do nome da dupla. Foram dadas diversas sugestões, tais como "Tupi e Tupã", "Pardinho e Pardal" e "Minguinho e Mingote". Mas o nome escolhido pelo público, que havia votado por carta, foi "Zé Carreiro e Carreirinho" que passou a ser o nome da dupla formada por Lúcio Rodrigues de Souza e Adauto Ezequiel, respectivamente.
Aliás, ninguém melhor do que o próprio Carreirinho para nos dizer quem foi Zé Carreiro: "...na minha vida foi tudo (...) Eu não me destacaria no meio artístico se não fosse o Zé Carreiro. Eu reconheço isso. Fomos feitos um para o outro. Tínhamos duas vozes irmãs (...) Aquela segunda voz era suave, bonita, e se encaixou com a minha que foi uma beleza (...) Não nos dávamos muito bem, tínhamos alguns desentendimentos, mas profissionalmente, nos respeitávamos muito..."
O primeiro disco da dupla "Zé Carreiro e Carreirinho" foi um "bolachão 78 RPM" gravado pela Continental, contendo o cururu "Canoeiro" (Zé Carreiro e Nicola Caporrino "Alocin") e, a moda de viola "Ferreirinha" (Carreirinho). Lúcio e Adauto, na verdade, já faziam sucesso ao vivo no Rádio com o cururu "Canoeiro", e os Irmãos Perez, já famosos com o nome de Tonico e Tinoco, haviam se interessado em gravar a respectiva composição.
Zé Carreiro e Carreirinho consentiram em ceder a música, mediante a promessa do lançamento do seu primeiro disco, que foi gravado em 05/07/1950 e lançado em outubro do mesmo ano, com as duas composições já mencionadas; e o sucesso foi tão grande que a Continental assinou com a dupla um contrato de três anos.
Algumas duplas que faziam sucesso na época: Raul Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco, Palmeira e Luizinho e Serrinha e Caboclinho, apenas para citar algumas.
Zé Carreiro e Carreirinho gravaram vários LPs e atuaram por dez anos na rádio Record com bastante audiência. No final da década de 50, no entanto, o parceiro Zé Carreiro teve que abandonar a carreira artística devido a problemas nas cordas vocais e também por um problema de surdez.
Carreirinho conheceu, na época, em Araçatuba-SP um mulato mineiro, bom violeiro com belíssima voz grave que causava admiração geral. Carreirinho formou então a nova dupla com José Dias Nunes, o Tião Carreiro, nome que foi sugerido por Teddy Vieira. Com quatro anos de duração, 10 discos 78 RPM e um LP lançados, a dupla "Tião Carreiro e Carreirinho" se desfez, já que Tião também "tinha luz própria" e procurou por "um parceiro que permitisse que seu peito aparecesse mais". E o "deus carrancudo" formou a inesquecível dupla com Antônio Henrique de Lima, o Pardinho (nascido em São Carlos-SP em 12 de julho de 1932 e falecido em Sorocaba-SP em 01/06/2001).
Após ter vivido algum tempo em Maringá-PR, Carreirinho retornou a São Paulo-SP em 1968 e formou com sua esposa, também compositora, Iracema Soares Gama, a nova dupla "Zita Carreiro e Carreirinho", a qual durou 16 anos, com 12 LPs, dois compactos duplos e um compacto simples.
Em 1984, Carreirinho formou dupla com Zé Matão, com quem gravou cinco LPs em cinco anos de carreira.
E foi em 1991 que Carreirinho formou juntamente com Sebastião Gonçalo, nascido em Três Corações-MG, a dupla "Carreiro e Carreirinho", tendo gravado um LP e diversos CDs. Com o Carreiro, Carreirinho se manteve "na estrada" por mais de 14 anos, praticamente até seus últimos os dias de vida.
Mesmo com a idade avançada, tendo ultrapassado os 80 anos, Adauto Ezequiel continuava gostando do que fazia. E seu mais recente parceiro, o Carreiro, é também um grande estudioso da obra da antiga dupla "Zé Carreiro e Carreirinho".
Carreirinho também chegou a formar, como que "por brincadeira", uma dupla com Sulino, a qual chegou a gravar um "CD Artesanal", tendo algumas das mais belas composições de ambos os autores, interpretadas pela dupla "Sulino e Carreirinho".
O nome do Carreirinho ocupa, sem dúvida, um lugar de grande destaque, como "Patriarca" na história da m úsica caipira raiz, tendo sido inclusive o "codificador" da autêntica moda de viola.    E, quando contava 87 anos de idade, Carreirinho teve que ser internado, no dia 17/03/2009, no Hospital Evaldo Foss, em São Paulo-SP, onde se encontrava praticamente em coma, em conseqüência de uma queda ocorrida em sua residência, seguida da batida da cabeça na geladeira. A partir daquele momento, ele desmaiou e foi internado de imediato.
Carreirinho exalou seu último suspiro às 00:30 de sexta-feira (27/03/2009), deixando um enorme vazio na História da música caipira raiz...
Seu corpo foi sepultado no Cemitério Jaraguá, na Via Anhangüera, na Capital Paulista.
Zequinha de Campos, de Bofete-SP, escreveu o texto abaixo, homenageando o Carreirinho, e citando ao mesmo tempo o nome de suas principais composições:
"ADAUTO EZEQUIEL... O nosso querido Carreirinho, sempre teve o PEITO SADIO, nascido no Bairro do Óleo, na cidade de Bofete-SP, em 15 de Outubro de 1921, numa CASA BRANCA DA SERRA que, por seu DOM DE POETA e grande PATRIOTA, deixou um legado para os seus admiradores que jamais será esquecido. Em sua trajetória de AMOR E FELICIDADE, também não lhe faltou PRANTO DE DOR, SAUDADE ou SOLIDÃO CRUEL, mas que também faziam parte de sua longa vida.
A canga do tempo pesou e calejou os ombros cansados do Cantador, mas nos tempos idos, já no ROMPER DA AURORA, pegava a sua inseparável Viola e cantarolava a MELODIA DA SAUDADE, que retratava a VIAGEM PENOSA, talvez imaginando a ÚLTIMA VIAGEM. Muitas vezes sentado no alpendre do seu RANCHO DE TAQUARA, que também era o RANCHO DA FELICIDADE, ficava RECORDANDO ZÉ CARREIRO seu parceiro inseparável e naquele PULMÃO DO MUNDO, poderia se deslumbrar com a ROSA BRANCA que exalava um perfume embriagador. E a ROSA, MADALENA, ANA ROSA, FLORAY, SABRINA? Por certo inspiraram a compor as suas lindas canções.
Por muitas vezes saboreando a pura GOSTOSURA fica recordando dos companheiros que também já haviam cumprido suas missões, vinha na mente o FERREIRINHA, CATIMBAU, JOÃO BOBO. Jamais se esqueceu do BOI CIGANO, da SUCURI, BOI SOBERANO. O tempo foi passando e num ADEUS À MOCIDADE com o ESPELHO DA VIDA já anunciando a sua longa estrada, compôs MEU CARRO É MINHA VIOLA, SAUDADE DE MINHA TERRA, A MORTE DO CARREIRO e tantas outras que ainda viriam enriquecer ainda mais o seu vasto repertório.
Carreirinho exaltava duas cidades as quais amava muito, uma era Bofete-SP, seu berço de nascença e outra era Pardinho-SP, onde viveu a infância e parte de sua juventude.
Carreirinho não foi o DONO DO MUNDO, tampouco REI DO CAFÉ ou REI DO GADO, mas, com toda certeza foi O REI DOS VIOLEIROS. Era muito festeiro e na NOITE DE SÃO JOÃO, VIOLA E O VIOLEIRO encantavam a festa, tinha BOMBARDEIO de rojões que rasgava o céu iluminando no negrume da noite. Tinha também a CABOCLINHA, AS TRES CUIABANAS, A FILHA DO FERREIRINHA e o PALHAÇO da Folia de Reis.
Em sua longa e feliz caminhada também teve TRISTE DESENGANO que é COISA DA VIDA, teve JURAMENTO QUEBRADO, talvez pelas conseqüências, mas sempre teve um PEITO AMIGO nas horas em que a nostalgia se fazia presente. E no NOTURNO em que FLOR DA NOITE ou a FLOR PROIBIDA vagava pelos becos da vida a procura de um amor por meros momentos, onde MAIS UMA TAÇA com sabor de fel era degustada dando um ADEUS A BOEMIA.
E a SAUDADE DE ARARAQUARA, CANOEIRO, PIRANGUEIRO, ARREPENDIDA, A MORTE DO CARREIRO, DEVER DE UM MÉDICO, modas eternizadas do seu repertório que encantam todas as gerações.
Quis o destino que o homem da TERRA ROXA, COMPANHEIRO DO FERREIRINHA, tombasse numa ESPARRELA e o CRUEL DESTINO o levasse para se encontrar com seus companheiros de noitadas de Violas. E, num último ADEUS A SÃO PAULO, a MAIOR FERA DO MUNDO sertanejo se despediu com a MISSÃO CUMPRIDA. Ele continua sendo a RIQUEZA DO BRASIL, um CANÁRIO DOURADO a voar neste espaço sem fim. Do FACÃO DO CRISTIANO só restou história. Na sua composição SÓ PELO AMOR VALE A VIDA, ele nos deixou uma experiência e valores a serem seguidos. Desse seu PADECIMENTO da PASSAGEM DO DESTINO onde houve a determinação do nosso Senhor Deus, com certeza está cantando com um coro de Anjos a antológica canção RINCÃO DE MINHA TERRA.
ADAUTO EZEQUIEL... O Nosso Querido CARREIRINHO já é um dos GRANDES HOMENS DO PASSADO que vive no nosso presente. Porque quando perdemos alguém, nós só valorizamos muito mais após a partida, é uma sensação que sinto neste momento, sempre enalteci o Carreirinho, porém, algo me sufoca neste momento. Estou sentindo a falta irreparável desse homem que foi e continua sendo a Bandeira da nossa Música Caipira. Uma grande tristeza se apossa de minha pessoa neste momento que escrevo esta singela homenagem. Mas não iremos nos curvar agora, é hora de darmos demonstração para não deixar cair no esquecimento os seus feitos, somos um país com muita memória sim, como ele dizia na sua letra "ENQUANTO FORMOS IMITADOS JAMAIS SEREMOS ESQUECIDOS"! "
Texto: Sandra Cristina Peripato